Arquivo diário: 8 de dezembro de 2016

O voto de cabresto de Celso de Mello

Quando mudamos de ideia a respeito de qualquer coisa na vida, há muitas vezes por de trás disso a intenção de corrigir falhas, redimir erros ou render-se a razão. Podemos chamar isso de “animus corrigendi”

Mas quando a própria noção de corrigir um erro, sanar um gravame, ou agir com falsa retratação é comprometida dando lugar a uma mudança de paradigmas para observar  interesses escusos isso se chama: “animus abutendi”, ou seja, intenção de abusar.

Foi essa segunda postura que o ministro decano Celso de Mello tomou ontem no STF ao mudar seu voto na ADPF que deu causa a lide de ontem no STF. Celso de Mello vindo posteriormente a rejeitar a liminar do colega vice-decano Marco Aurélio Mello em face do senador Renan Calheiros obrou com “animus abutendi” e precipitou o STF para além da falta de credibilidade. O decano da Suprema Corte jogou o STF no abismo da falta de legitimidade.

Quem está com a verdade do seu lado, do ponto de vista axiológico jurídico, jamais mudaria de opinião acerca das conclusões que os postulados jurídicos que formaram anteriormente a convicção decisória, para em seguida, numa outra situação particular, dar lugar a um arremedo de voto, ou voto de cabresto, em favor dum réu que nitidamente manipulou a opinião do julgador com subterfúgios extra-legais.

Juízes não podem ser pessoas que alteram suas opiniões e conclusões jurídicas, por mais genéricas que possam ser; ao sabor dos acontecimentos. Celso de Mello, ontem, no julgamento da liminar desobedecida por Renan, obrou exatamente isso da forma premeditada; e para usar palavras do próprio Marco Aurélio foi algo: inconcebível, intolerável e grotesco Celso de Mello ter agido desta forma.

O decano do STF tende a divergir de Marco Aurélio e pela praxe do colegiado, conforme regimento interno, o decano deve ser o último a votar, mas se decide antecipar o voto, isso pode influir os demais pares a segui-lo. Foi exatamente isso que ocorreu ontem, mas não por força dos argumentos do decano, e sim pela chantagem de bastidores à qual determinados ministros cederam da noite para o dia em favor de um réu no próprio tribunal, no qual, dizem zelar pela Carta Magna e sua interpretação.

Mesmo Marco Aurélio tendo dito que o STF incorreria em “deboche institucional” caso não fosse enérgico quanto aos fatos desencadeados pela desobediência de Renan em face duma ordem judicial emanada por um membro da mais alta corte judicial do país, mesmo assim, os seis ministros que acompanharam Celso de Mello, em seu voto de cabresto, levaram a cabo o acovardamento do STF em face de um senador que é investigado em mais de uma dúzia de processos criminais.

A máxima marcoaureliana de que “processo não tem capa, tem conteúdo”; uma citação clássica do eminente ministro flamenguista, apreciador de motocicletas e cavalos puro sangue, nunca foi tão veraz quanto ontem. Uns apreciaram a matéria olhando e temendo o nome contido na capa da lide, outro, desferiu um julgamento em face de um réu que ocupa um cargo de presidente do Senado, podendo ser assim censurado e até sacado do cargo por ser réu em processo crime no STF; isso desde que sejam bem observados os axiomas constitucionais numa exegese mais escorreita.

Num primeiro momento a decisão monocrática de Marco Aurélio teria efeitos concretos como qualquer outra ordem judicial acatada e cumprida à risca. Mas não foi isso que aconteceu. Renan, agindo de forma desaforada, burlou por duas vezes o oficial de justiça do STF, dando-lhe um chá de cadeira, agindo de forma evasiva através de assessores parlamentares, ou seja, foi uma amostra gratuita de quanto Renan não respeita a lei em momento algum.

Após a liminar expedida, e sem efeitos ante a realidade dos acontecimentos, o artigo 5º da lei 9.882 diz ordenava o seguinte: “O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar (…). Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno”. E foi isso o que processualmente aconteceu. A cautelar foi apreciada em no pleno colegiado, e foi aí que as manobras insidiosas de Renan sobre meia dúzia de togados supostos guardiões da Constituição deu razão aos dizeres de Lula quando chamou o STF de um bando de acovardados.

Apesar de Marco Aurélio ser arrogante e narcisista, sua decisão tinha que ser no mínimo apreciada com base nos postulados constitucionais pelos ministros divergentes, simplesmente por ele ser investido de poderes jurisdicionais para tal finalidade. Teriam de operar isso por respeito ao julgador e muito mais pela Constituição e instituições que servem. Mas desde o começo Marco Aurélio, que é só uma peça do STF, já foi atacado e execrado publicamente pelo colega de toga; a saber: Gilmar Mendes, um dos aliados de Renan no STF. Isso já insinuava que o STF tinha se tornado num puxadinho onde as ordens de congressistas do alto clero corrupto dão as cartas e são obedecidos cegamente pelos ministros da Suprema Corte brasileira.

O presunçoso Marco Aurélio achou que tinha bala na agulha. Deve ter achado que teria o corporativismo do STF ao seu lado, ao menos para proteger a classe de magistrados, a qual nenhum corrupto de alto escalão desse país nutre mínimo respeito ao ponto de lavrar leis contra os mesmos desmoralizando-os também com “animus abutendi” no foro legislador. No entanto, Marco Aurélio foi dilacerado apesar de ter acertado a mão dessa vez, e assim o STF recheou uma pizza à moda alagoana feita sob pedido expresso do próprio réu.

Celso de Mello, o decano, e Carmen Lúcia, atual presidente do STF, participaram dessa chicana mantendo aquela pose de santidade que cultivam sempre. Celso de Mello, com auxílio explícito de mais cinco pares, incluindo a presidente do STF, “recolocou” Renan de volta ao cargo que ele nunca perdera na prática. Isso sim foi um verdadeiro golpe contra a lei, contra as instituições e contra o povo. Testemunhamos um réu de grande envergadura mandar nos juízes instância judicial maior do país e nos poderes da República na tarde de ontem.

O voto do Celso de Mello foi contraditório, para dizer o mínimo. Ele repudiou que qualquer ente ou sujeito desacate uma ordem judicial, e depois, lavrou um voto alternativo predefinido extra lei. Daí ficou fácil, até para Dias Toffoli votar acompanhando ele, sem fundamentar nada, cair fora da sessão alegando que tinha mais o que fazer, e ainda pior foi Teori Zavascki, ele se acovardou aderindo à tese costurada nos bastidores, a qual Celso de Mello foi porta voz mor. Zavascki, justo ele, que tinha afastado Eduardo Cunha do mandato, consequentemente do cargo, se rendeu ao jogo de sombras e cordas perpetrado por Renan e lavado a cabo por Celso de Mello e demais pares que acompanharam a divergência.

Resumo da ópera: O voto de cabresto de Celso de Mello safou Renan Calheiros. Agora aguardemos o voto de cabresto dos eleitores alagoanos que deverão reconduzi-lo a mais um mandato, ao menos que haja um juiz nesse país capaz de colocar esse senador cangaceiro atrás das grades antes da próxima eleição.

renan

“Inúteu”!A gente somos “inúteu”!

“Inúteu”!A gente somos “inúteu”!
 
“A gente não sabemos escolher presidente” – São 13 anos de atraso! A cada vez que a OCDE divulga o seu ranking mundial do ensino, elaborado a partir da aplicação do teste Pisa em mais de 70 países, o Brasil é confrontado com todo o seu atraso em relação à educação praticada no país. Neste último ranking, ficou evidente não apenas o nosso atraso, mas o quanto estamos regredindo, em vez de evoluir.
 
Depois de 13 anos de governos petistas, ainda estamos, no setor educacional, no mesmo patamar de quando eles assumiram o governo. E o PT e seus puxadinhos chamados de “movimentos sociais”, além de terem ficado em silêncio sobre o ranking da OCDE, ainda se mantém inflexíveis contra qualquer tipo de reforma no sistema de ensino. A esquerda não quer evolução do ensino, e sim a propagação da mediocridade. Por esse e outros motivos o Brasil gritou: Fora PT!
Kant dizia que a sociedade era mantida autoritariamente num estado a que chamou de “menoridade”, ou seja, a incapacidade de servir ao seu próprio entendimento, de pensar e agir a partir de sua própria análise crítica. Em outras palavras, era como se a sociedade não tivesse capacidade de tomar conta de si, conduzida por aqueles que tinham o poder político, econômico e social.
 
No entanto, o filósofo alemão também afirmava que deveríamos nos erguer diante disso e tentar sair do tal estado de menoridade. A forma pela qual isso se tornaria possível? Através da crítica, interrogando as “verdades” que nos são dadas.
 
De forma extremamente resumida, a crítica, segundo Kant, seria o exercício da autonomia frente àquilo que é imposto e, portanto, essencial à busca pela liberdade e por uma sociedade mais justa.
 
Bem mais tarde, Foucault formulou a seguinte questão: o que nos tem levado à atual organização social econômica, notoriamente cheia de problemas, após o exercício de tantas críticas durante tanto tempo? Seria a insuficiência da razão ou haveria poder contrário demais?
 
Como seres notoriamente orgulhosos de sua racionalidade, a insuficiência da razão não parece ser a opção mais adequada (por mais que pertinente), ainda mais diante da alternativa “poder contrário demais”. Sendo possível optar pelas duas opções, razoável escolher ambas.
 
Pois bem, agora, meio século depois, perguntamos: como exercer tal crítica num tempo em que a falta de representatividade popular é gritante em todas as instâncias do estado democrático, somado ao ensurdecedor silêncio dos instrumentos de comunicação (referindo-se a mídia tradicional e de grande alcance) diante das inúmeras tentativas de retirada de nossos direitos?
 
Como sair da menoridade que nos é imposta por decisões político governamentais e que parecem nos excluir do jogo político, como o andamento da medida provisória de reformulação do ensino médio ou o Projeto de Emenda Constitucional do teto dos gastos, entre tantos outros? Como se erguer diante de um judiciário que aparenta estar cada vez mais contaminado por posições políticas e que tem nos mostrado possuir, em inúmeros exemplos e nas mais diversas instâncias, mais intenção do que isenção em seus julgamentos e decisões?
 
É notável como a luta dos estudantes secundaristas e universitários e suas ocupações ganhou tamanha importância mesmo não ocupando o espaço que merece na mídia tradicional e nos debates na esfera pública: as ocupações são o mais puro exercício da crítica e da autonomia perante a força governamental e tem nos permitido perceber, de forma cada vez mais clara, as conexões entre os mecanismos de coerção entre o Estado e demais poderes.
 
Para ficar somente em alguns exemplos, como não lembrar do silêncio midiático do 4º Poder, que finge não ver aquele que já é, talvez, um dos maiores movimentos políticos protagonizados por estudantes, ou o uso exacerbado das forças repressoras do Estado personificado na brutalidade policial nas escolas ocupadas, ou uso de instrumentos legais claramente abusivos, como a ordem do juiz que permitiu que métodos e artifícios de tortura fossem empregados para desocupação de secundaristas de uma escola estadual, além da tentativa de individualizar e criminalizar quem ocupa, conforme solicitação e orientação formal do próprio Ministério da Educação às instituições ocupadas, entre tantos outros exemplos.
 
Mas se as mais diversas instituições demonstram estar em pleno exercício da “arte” pedagógica, econômica e política de como nos governar, os estudantes se permitiram e estão nos mostrando que é possível pensar em “como não ser governado” tão passivamente e por princípios, objetivos e formas dos quais discordamos ou julgamos injustos.
 
Num momento em que a PEC 55 (ex-241) é vendida como única solução para a economia do país e a reformulação do ensino médio desconsidera o diálogo com as partes mais interessadas (educandos e professores), posto que a melhor solução teria sido encontrada pelo atual governo, embalada e despachada como lei por medida provisória com pouco ou quase nada a discutir, estes jovens e suas ocupações têm nos mostrado que é possível erguer-se e tomar o direito de interrogar o discurso do Estado, que se impõe como verdadeiro tão somente pelo seu poder.
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(fonte: Observatório da Imprensa)